Nos tempos idos era simples o viver de toda gente. Para comprar uma coisa
diferente tinha que esperar até o sábado chegar, pois era dia de feira.
Na feira era aquela alegria.
Parecia festa. Quem não se lembra do famoso “homem-da-cobra”? Vendia “meisinha”
pra tudo que era doença, receita milagrosa. Tinha um microfone “agarrado” no
pescoço e mostrava uma cobra a uma multidão de curiosos que se aglomeravam ao redor. Segurando-a destemidamente.
Mas o sol quente lembrava
que ainda faltava fazer a feira. E tudo ali se podia comprar: pavi de candeeiro
e querosene, correia pra chinela “japonesa”, coentro e “cumim” pra temperar. E rapadura
era a sobremesa. Era de cuia, farinha, arroz e feijão, no mercado popular. Quebra-queixo
enrolado em papel manteiga, pra lanchar.
O que faltava comprava na
Bodega que tinha um cheiro inconfundível de todas as coisas juntas, mas para
mim tinha cheiro mesmo de
chiclete, bombom e pirulito.
O vendedor–atendente e o
caixa era o dono mesmo, nutrido de muita simpatia e valorizava cada freguês,
que também era um amigo. O balcão separava o vendedor do freguês, uma balança sobre
o balcão era de lei e tudo se vendia “de mercado” inclusive café e açúcar. A venda
era na “confiança”, a compra era anotada em um caderno simples onde constava
somente o nome do freguês, que geralmente era o apelido e que fielmente
aparecia no final do mês para pagar. Havia bodegueiro que anotava todas as
contas em tiras de papel de embrulho, calculem!
Mas a Bodega era tudo!
Farmácia pra se comprar “cachete”, loja de cosméticos, padaria, lanchonete e principalmente
bar. Quem nunca tomou cajuína na Bodega de Dona Mocinha com pão doce? Tomar uma
“bicada” de cachaça era tradicional, e podia se estender para uma “meiota” ou
algumas cervejas, encostados no balcão, de pé mesmo. Sem falar que as bodegas
eram reduto dos poetas e boêmios, como a Bodega de Seu João Macambira, o ajuntamento
podia iniciar no finalzinho da tarde, daquelas tardes fagueiras e inspiradoras,
e adentravam pela noite.
Era um lugar de encontros
para uma conversa mansa como na Bodega de Eutrópio. Era também o ponto de pegar
o carro depois da feira para os sítios ali das redondezas, como a Bodega de Seu “Arnô”.
Enquanto esperava o carro, tomar um copo de cajuína quente e sem gás, sim, sem
gás, visto que a cajuína era vendida por “copo”, e como geladeira era um item que
inexistia naquela ribeira, era quente mesmo e ninguém reclamava. E pelo fato de
ser vendida por “copo” e, diga-se de passagem, copo americano, estima-se que a
garrafa ficava aberta sabe Deus quantos dias. Era de tal modo que por muito
tempo acreditava que cajuína não era gaseificada.
Entre um trago de cachaça e
outro a Bodega de Edvaldo era também um lugar de encontro de poetas e
declamadores que “degustavam” naquela reunião improvisada os poemas dos
conterrâneos em grande admiração pela profundeza d’alma poética daquele povo.
E a Bodega de Pedro de Edu? Era
onde iniciava a folia de carnaval, festa onde as famílias brincavam juntas. Violão,
pandeiro, reco-reco, e todos cantavam juntos numa alegria só.
Pois, nessa mistura de todas
as coisas, nessa mistura de cheiros e cores, nessa embolada de vivências, a
bodega foi saindo do cenário dando lugar aos grandes supermercados e aos
requintados shopping centers. Almejamos
a modernidade e a tecnologia que nos enche os olhos, mas também oprime a nossa alma.
Amei
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