sábado, 12 de junho de 2021

BODEGA ERA TUDO

 

Nos tempos idos era simples o viver de toda gente. Para comprar uma coisa diferente tinha que esperar até o sábado chegar, pois era dia de feira.

Na feira era aquela alegria. Parecia festa. Quem não se lembra do famoso “homem-da-cobra”? Vendia “meisinha” pra tudo que era doença, receita milagrosa. Tinha um microfone “agarrado” no pescoço e mostrava uma cobra a uma multidão de curiosos que se aglomeravam ao redor. Segurando-a destemidamente.

Mas o sol quente lembrava que ainda faltava fazer a feira. E tudo ali se podia comprar: pavi de candeeiro e querosene, correia pra chinela “japonesa”, coentro e “cumim” pra temperar. E rapadura era a sobremesa. Era de cuia, farinha, arroz e feijão, no mercado popular. Quebra-queixo enrolado em papel manteiga, pra lanchar.

O que faltava comprava na Bodega que tinha um cheiro inconfundível de todas as coisas juntas, mas para mim tinha cheiro mesmo de
chiclete, bombom e pirulito.

O vendedor–atendente e o caixa era o dono mesmo, nutrido de muita simpatia e valorizava cada freguês, que também era um amigo. O balcão separava o vendedor do freguês, uma balança sobre o balcão era de lei e tudo se vendia “de mercado” inclusive café e açúcar. A venda era na “confiança”, a compra era anotada em um caderno simples onde constava somente o nome do freguês, que geralmente era o apelido e que fielmente aparecia no final do mês para pagar. Havia bodegueiro que anotava todas as contas em tiras de papel de embrulho, calculem!

Mas a Bodega era tudo! Farmácia pra se comprar “cachete”, loja de cosméticos, padaria, lanchonete e principalmente bar. Quem nunca tomou cajuína na Bodega de Dona Mocinha com pão doce? Tomar uma “bicada” de cachaça era tradicional, e podia se estender para uma “meiota” ou algumas cervejas, encostados no balcão, de pé mesmo. Sem falar que as bodegas eram reduto dos poetas e boêmios, como a Bodega de Seu João Macambira, o ajuntamento podia iniciar no finalzinho da tarde, daquelas tardes fagueiras e inspiradoras, e adentravam pela noite.

Era um lugar de encontros para uma conversa mansa como na Bodega de Eutrópio. Era também o ponto de pegar o carro depois da feira para os sítios ali das redondezas, como a Bodega de Seu “Arnô”. Enquanto esperava o carro, tomar um copo de cajuína quente e sem gás, sim, sem gás, visto que a cajuína era vendida por “copo”, e como geladeira era um item que inexistia naquela ribeira, era quente mesmo e ninguém reclamava. E pelo fato de ser vendida por “copo” e, diga-se de passagem, copo americano, estima-se que a garrafa ficava aberta sabe Deus quantos dias. Era de tal modo que por muito tempo acreditava que cajuína não era gaseificada.

Entre um trago de cachaça e outro a Bodega de Edvaldo era também um lugar de encontro de poetas e declamadores que “degustavam” naquela reunião improvisada os poemas dos conterrâneos em grande admiração pela profundeza d’alma poética daquele povo.

E a Bodega de Pedro de Edu? Era onde iniciava a folia de carnaval, festa onde as famílias brincavam juntas. Violão, pandeiro, reco-reco, e todos cantavam juntos numa alegria só.

Pois, nessa mistura de todas as coisas, nessa mistura de cheiros e cores, nessa embolada de vivências, a bodega foi saindo do cenário dando lugar aos grandes supermercados e aos requintados shopping centers. Almejamos a modernidade e a tecnologia que nos enche os olhos, mas também oprime a nossa alma.

                                           *Foto retirada da internet.

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